Escrita, em francês, durante
apenas quatro meses (de outubro de 1948 a janeiro de 1949), "En attendant
Godot" foi para Beckett o escape da "horrível prosa" a qual
vinha trabalhando sem êxito. No meio de crises depressivas, o teatro poderia
ser a solução: "minha vida estava muito triste, eu pensava que o teatro
seria uma diversão".
Segundo Luiz Rebinski Junior ela “foi escrita em uma fase delicada
da vida de Beckett. Época em que o irlandês se encontrava em profunda
depressão, desencadeada pela frenética ingestão de álcool”.
Publicada apenas em 1952 e encenada pela primeira vez em 1953, no
Teatro Babilônia, um pequeno teatro parisiense, a recepção do público foi
repleta da sensação de estranhamento. O próprio diretor da sua primeira
montagem, Roger
Blin, confessou não tê-la entendido na primeira leitura. Reza a
lenda que metade das pessoas que ocupavam os 200 lugares do teatro saíam nos
primeiros 30 minutos da peça. A peça, porém, foi um sucesso instantâneo,
programada para ser encenada trinta vezes, permaneceu em cartaz por
aproximadamente 400 apresentações.
Em 1953, Beckett traduziu a própria peça para o inglês com o
título "Waiting for Godot".
A peça de Samuel Beckett estreou no Brasil, pela Escola de Arte
Dramática da Universidade de São Paulo (EAD-USP), com a direção de Alfredo Mesquita, em 1955. Porém a
primeira montagem profissional no Brasil da peça só aconteceu em 1968, dirigida
por Flávio Rangel. Cacilda
Becker, que representava Estragon ao lado de seu marido Walmor Chagas, que fazia Vladimir, sofreu
um aneurisma cerebral durante a apresentação do espetáculo e morreu após 38
dias em coma.
A Anti Peça
Beckett denominou sua obra de
“tragicomédia em dois atos". O cômico, a partir de Aristóteles, era tido como menor em comparação à tragédia e
seus grandes heróis, era olhado com certo desprezo:
“A mesma diferença separa a tragédia da
comédia: esta quer fazer a mimese de homens piores que os de agora; aquela, de
melhores.”
(Aristóteles, Capítulo 3 da Poética)
Beckett inverte essa idéia ao trazer
para o âmbito cômico temas pesados e profundos antes tidos como inacessíveis a
ele. O professor Fábio de Souza Andrade porém defende a idéia de uma tragicomédia:
“No tragicômico tudo está cinzento, mas no fim o céu se abre. Mas em Beckett
acontece o contrário: tudo parece leve, a gente ri das trapalhadas dos
personagens, mas no fim percebemos que a luz não chega.”
Dois vagabundos que marcam um encontro
com Godot, que nunca chega. Vão esperando, então, conversando discretamente
sobre suas miseráveis condições, preenchendo o tempo com pequenas distrações. A
maior delas é a aparição de Pozzo e Lucky.
Esta é a sinopse básica de Esperando
Godot. A pergunta mais frequente: "Mas é só isso? Isso é a obra revolucionária do teatro
moderno?" É exatamente por ter esse enredo (se é que se pode chamar de
enredo) que Beckett conseguiu o prestígio que tem hoje. O texto é curto,
elíptico, tudo meio confuso e aparentemente inútil, desnecessário. Espera-se
sempre que algo aconteça, mas nada muda. Mas é falando sobre o Nada, que
Beckett consegue falar sobre tudo.
Seu texto simplesmente esvazia o
sentido fundamental do teatro: a ação. Não há descrição profunda das
pesonagens, não situa-as no espaço ou no tempo.
§ Tempo
Não há indicações sobre dia, mês ano,
século. Os dois dias em que se passa a "ação" são dois dias fora do
tempo, fora da linearidade do tempo. O que dá ritmo ao espetáculo é a linha
"emocional", marcada por duas emoções: a espera e a desilusão trazida
pelo mensageiro.
O que marca a passagem de tempo é a luz
crepuscular que dá lugar a uma lua, e depois ao sol; as folhas que aparecem na
árvore, no segunto ato.
§ Espaço
As indicações de espaço (ver Cenário) são mínimas, há
referências a Paris e a Ubeda (uma província da Espanha). As terras são de
Pozzo, segundo ele mesmo. Estragon e Vladimir nunca fazem referência a onde
estão ou a de onde vêm.
§ Ação
A ação do texto é, irônicamente, a
espera. Martin Esslin conclui que “Esperando Godot não conta uma historia, mas
explora uma situação estática”.
Estragon – Não passa nada, ninguém vêm,
ninguém vai. É terrível.
Filme baseado na peça Esperando Godot, direção de Michael Lindsay-Hogg (2001)
ESPERANDO GODOT NO BRASIL
Cacilda Becker, em 1969, na histórica montagem brasileira de esperando Godot. |
Primeira montagem profissional do texto de Samuel Beckett no Brasil, encenado por Flávio Rangel, e último trabalho da atriz Cacilda Becker, que sofre um aneurisma cerebral num intervalo do espetáculo do dia 6 de maio, menos de um mês após a estréia.
Escrito em 1952, Esperando Godot só vem chamar a atenção três anos depois numa montagem na Broadway. O enredo é de difícil compreensão para o público da época: dois vagabundos esperam infinitamente ao pé de uma árvore por um indefinível Sr. Godot, que jamais comparecerá ao encontro marcado. Os dois dias em que a peça se passa são absolutamente idênticos: a situação permanece a mesma do começo ao fim. Num vácuo dramático que revela uma abertura e originalidade teatrais sem precedentes na história da dramaturgia universal. Por meio dessa parábola, Beckett retrata a solidão e a incomunicabilidade entre os homens, fruto do ceticismo europeu apregoado por muitos autores após a Segunda Guerra Mundial.
No Brasil, a peça de Beckett ganha duas montagens amadoras: uma pela Escola de Arte Dramática - EAD, em 1955, com direção de Alfredo Mesquita; e outra, encabeçada por Luiz Carlos Maciel, em Porto Alegre, em 1959.
Em 1969, Cacilda Becker aceita o convite de Flávio Rangel para realizar a montagem profissional do já prestigiado texto de Beckett. O espetáculo, apresentado pelo Teatro Cacilda Becker - TCB, é uma metáfora da situação brasileira do período.
Numa entrevista ao crítico Sábato Magaldi, Cacilda fala sobre a composição da personagem: "(...) o papel é um exercício novo na minha carreira de atriz. Exercitei minha capacidade histriônica e nem sabia se a tinha. E Estragon é extremamente exaustivo. O trabalho resulta numa composição que justifica o fato de ser uma mulher a intérprete de Estragon, sem caracterizá-lo como homem ou mulher".1
A montagem é elogiada pela imprensa, e Décio de Almeida Prado, que já abandonara a atividade crítica, abre uma exceção para analisar o trabalho dos intérpretes: "Dois atores, duas maneiras diversas de abordar o texto. Cacilda, mais próxima da tradição mímica de picadeiro, com o nariz empelotado, o rosto lívido, o ar súplice e apatetado de um clowntrágico. Walmor (Chagas) à vontade, sobretudo nos instantes de lirismo e melancolia, nas fases em que a lucidez vem involuntariamente à tona, fazendo a personagem conservar, por entre os farrapos, um resquício da antiga elegância e dignidade".2
Numa apresentação diurna do espetáculo para estudantes, Cacilda Becker sente-se mal e é conduzida ao hospital, onde é diagnosticado um derrame cerebral. Após duas cirurgias, permanece em coma, por 45 dias, e morre em 14 de junho de 1969, calando-se para sempre a voz da mais prestigiada atriz do teatro brasileiro.
Notas
1. BECKER, Cacilda. Entrevista citada In: MAGALDI, Sábato; VARGAS, M. Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo. São Paulo: Senac, 2001, p. 282.
2. PRADO, Décio de Almeida. Crítica ao espetáculo. São Paulo, Revista Visão. In: PRADO, Luís André do. Cacilda Becker: Fúria Santa. São Paulo, Geração Editorial, 2002, p. 546.
Em 1976 Antunes Filho dirigiu Eva Wilma no papel de Wladimir, Lilian Lemmertz no papel de Estragon, Lélia Abramo no papel de Pozzo e Maria Yuma no papel de Lucky.
ResponderExcluirEm 1976 Antunes Filho dirigiu Eva Wilma no papel de Wladimir, Lilian Lemmertz no papel de Estragon, Lélia Abramo no papel de Pozzo e Maria Yuma no papel de Lucky.
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